segunda-feira, 18 de julho de 2011

Entre Mito e História: hidromel











































Um dos temas mais interessantes de estudos vincula-se ao texto, às narrativas e ao próprio pensamento histórico, aparentemente contrapostos ao pensamento e às narrativas míticas, mas que nem sempre se encontram em posições diametralmente opostas, sendo outrossim complementares entre si, cada quais com suas lógicas internas, seu caráter auto-explicativo e instrutivo.

Ao contrário da tradição de pensamento vinculada pelos historiadores gregos Heródoto e, principalmente Tucídides, em que mithos e logos seriam formas de pensamento opostos, os estudiosos atuais observam a forma como ambos são construídos, bem como as interpolações existentes entre uns e outros.

Como bem lembrado por estudiosos franceses do porte de François Hartog e Marcel Detienne, o pensamento mítico fazia parte da palavra ritualizada, não baseada em princípios de contradição, mas de eficácia, possuindo sua própria lógica interna, não sendo a toa que a palavra mitologia servia para definir seu conjunto de temas e narrativas.

Dito isto, gostaria de explicar o que me levou a este assunto. Alguns alunos meus do 3º Ano do Ensino Médio me pediram para escrever um texto histórico sobre a origem da bebida hidromel, visto que irão fermentar água e mel para a feira de ciências da escola onde trabalho. Diante da dificuldade desta pesquisa e diante de minha negativa em apoiar uma historiografia hegeliana baseada na busca das origens das coisas, escrevi um texto sobre algumas interpolações existentes entre história e mito no que tange a bebida. Abaixo segue o referido texto:

Não sabemos a origem do hidromel, variação do melikraton (vinho e mel) dos gregos e romanos. Segundo Plínio o Velho, filósofo naturalista latino do século I D.C, a bebida teria sido criada por Aristeu, o apicultor, filho do Deus da luz Apolo com a mortal Cirene. Podemos afirmar apenas que os povos germânicos da Europa Pré-Cristã, tais como cimbrios e teutões consumiam uma bebida semelhante com base na fermentação da água e do mel, utilizando-a em cerimônias ritualísticas de consumação de casamento, de onde deriva o termo Lua de Mel.

Foram muitos os povos que conheceram os prazeres desta especiaria antiga, nos mais variados lugares do mundo e nas mais distintas épocas e contextos históricos, desde maias, astecas, hindus, celtas e escandinavos. Tanto que um famoso conto nórdico expressa a criação do hidromel e sua relevância no interior da cultura deste povo. Segundo consta na Eda Saga compilada pelo historiador islandês, Snorri Sturluson, os deuses, em um tempo remoto teriam cuspido em um jarro de ouro de modo a selar a paz entre aesires (deuses celestes) e vanires (deuses selvagens da fecundidade).

Do interior do jarro saiu Kvasir, divindade da sabedoria, que, em suas viagens pelos nove mundos chegou ao reino dos anões, onde foi assassinado. Ao seu próprio sangue os anões misturaram mel em dois caldeirões, e a bebida resultante foi batizada de hidromel, a “Bebida dos Deuses”. Depois disto os Gigantes invadiram a morada dos anões, levando embora a bebida sagrada, forçando o próprio deus supremo nórdico, Odin a recuperá-la.

De posse dos deuses, a bebida passou a ter propriedades proféticas e poéticas, não sem antes ser ensinada aos mais sábios e talentosos mortais, significando que seu consumo traria uma espécie de epifania mágica capaz de levar os homens tanto à sabedoria do mundo mágico dos deuses quanto à imaginação poética dos recitadores de mitos e fábulas celestes. Entre mito e história, o doce hidromel surgiria aos mortais, quase que como uma fermentação mágica sussurrada nas mentes mais esclarecidas.

Em suma, um texto curto, mas que em minha opinião reflete a importância dos contos míticos em muitas culturas do passado. Em minha opinião (e de muitos outros), não é nada anti-histórico tratar de um aspecto cultural a partir de uma narrativa mítica, não porque eu acredite na presença dos deuses entre os homens nórdicos ou gregos antigos, mas porque estes povos um dia acreditaram nesta presença, e se não acreditaram fielmente, tornaram tais mitos tão presentes em suas culturas, que logo eles se tornaram parte delas. Verdade ou não, o hidromel faz parte da cultura de muitos povos antigos, e como bebida destes povos, era servido em cerimoniais, utilizado nas libações ou mesmo como bebida de poetas e profetas mágicos, vinculando nas mentes ébrias o mundo material dos homens ao mundo imaterial dos deuses. Neste sentido, tais mitos não deixam de integrar a história destes povos.

8 comentários:

Jacques disse...

Faltou o Thor arremessando o martelo nos Gigantes de Jotunheim, Marco.
Muito bom seu texto e seu último comentário lá no post dos vampiros.
É para evitar discussões retardadas dessas que eu sugeri pro Rafael pararmos de escrever pra nerds, que não adianta nada.
Como eu falei ao Domênico hoje, os nerds jovens tem medo de comentar porque acham que serão xingados e todo mundo vai vê-los passar vergonha (ou estão em sites megafamosos tipo Omelete, Melhores do Mundo ou Jovem Nerd tentando falar alguma besteira para aparecerem nos comentários de lá e se acharem o máximo) e os nerds velhos ou tem seus próprios sites ou estão no Twitter.
Estou escrevendo o que o Rafael chama de textos medianos (como o do Ochôa sobre cientologia e os do Rafael sobre filmes), que qualquer um pode ler.
Pra mim chega de discussões.
Conversar é melhor.
Até mais.

Marco Collares disse...

Bem isso mesmo.
Não tenho idade pra discussões inúteis sobre Vampiro e etc.
Também vou escrever textos leves pro site.

Cissa Romeu disse...

Oi Marco, tudo bem?
Obrigada pela visita em meu blog. Nossa! Eu diria um texto muito bem-escrito e inteligente.
Ás vezes só tenho a madrugada para visitar os blogs, tive que ler duas vezes rsrsrs

Não sou historiadora, sou publicitária (apesar de que amo história e já li muito, hoje menos), mas concordo totalmente que uma narrativa mítica, por acabar se agregando à cultura de um povo, passa a ter um peso na sua história; ou pelo menos podemos entender comportamentos sociais a partir dessas crenças. Esses comportamentos, vez por outra, podem conduzir os fatos, os rumos da história desses povos.

Te convido a voltar mais vezes lá no blog, será bem vindo!
Obrigada pelos comentários, sempre retribuirei por aqui, até porque achei teu espaço muito interessante!
Já morei em Pelotas, na minha infância, adoro essa cidade, de certa forma tenho uma ligação por aí (seria isso uma narrativa mítica???) :) rsrs

Grande abraço!

Marco Collares disse...

Oi Cissa.
Valeu pelos comentários.
Vou seguir visitando teu blog sim, com o maior prazer.
Te recomendo o da minha irmã, Devaneios Literários. Ela até publicou um livro com o mesmo nome a partir dos contos do blog.

Cissa Romeu disse...

Oi Marco,
com certeza passo sim!
Abraçãooo

Mariana Collares disse...

Marquito!

Apareci e já fiz propaganda!

Tu tá mto historiador... heheheh.

Cadê a ficção?

Te amo. bjo

Marco Collares disse...

Verdade.
estou engatilhando um conto aqui, vamos ver.
Beijos.

Drowmage disse...

"não é nada anti-histórico tratar de um aspecto cultural a partir de uma narrativa mítica, não porque eu acredite na presença dos deuses entre os homens nórdicos ou gregos antigos, mas porque estes povos um dia acreditaram nesta presença, e se não acreditaram fielmente, tornaram tais mitos tão presentes em suas culturas, que logo eles se tornaram parte delas."

Perfeita essa colocação, a maior importância da magia na história é que os povos antigos acreditavam nela e reagiam de acordo.