sábado, 26 de abril de 2014

Considerações sobre Super Heróis ou Esse assunto de novo?


Esses dias, novamente participei de um debate sobre um velho assunto: Super Heróis. Literalmente mais um daqueles debates homéricos de facebook (aliás, eu sou um dos que deixam o debate assim com meus textos descomunais), quando um amigo postou uma crítica de um especialista sobre filme do Capitão América, o Soldado Invernal (mais uma de tantas críticas existentes, diga-se de passagem). O autor da crítica fez comparações com outros filmes de super-heróis recentes, mais especificamente, a trilogia do Batman, de Christopher Nolan, X-Men, First Class e Homem de Aço, de Zack Snyder. Muito já se falou sobre todos esses filmes e não quero retomar tudo o que foi falado nesse post, mas vamos dizer que a discussão se resume a premissa de que os heróis desses filmes fazem parte de uma onda realista de representação do arquétipo, super herói, na qual estaria expressada a complexidade de nosso mundo e na qual os temas abordados nos filmes não mais se apegariam ao binômio maniqueísta do bem contra o mal. Apesar de ainda existir a típica luta contra o mal nos filmes de super heróis mais recentes, as coisas seriam menos "preto no branco" do que parecem.

Eu já escrevi algo a respeito e tenho uma opinião muito pessoal de que nós, homens e mulheres contemporâneos apenas acreditamos que não somos mais tão maniqueístas assim, uma crença muitas vezes carente de conteúdo em minha opinião. Bem, não quero me demorar nesse ponto.


Pretendo apenas colocar aqui as opiniões de um dos caras que conheço que mais entende de HQs, meu amigo Artur Lopes Filho, doutorando em filosofia e que, além de palestrar e ensinar sobre histórias em quadrinhos por Universidades do Brasil afora, foi um dos meus maiores incentivadores a estudar o assunto (emprestando livros especializados e indicando tantos outros). No meio do debate sobre os filmes elencados mais acima, ele postou algumas considerações no facebook. Reproduzirei abaixo o que foi escrito por ele e depois efetuarei, nesse espaço, minhas próprias ponderações, mais como um exercício para debate do que qualquer pretensão de ser conclusivo. Abaixo as referidas palavras do Artur:


"Artigo interessante... como o Marco Antonio Collares já pontuou muitos fatores relevantes, não vou me fazer repetir mas algumas coisas são interessantes ressaltar: Um fator crucial que temos dificuldade de lidar é com a dinâmica discursiva não-objetiva (confusa)... o que isso quer dizer? Bom, de maneira resumida, significa uma "parcialidade", uma interferência discursiva comum quando estamos tratando de assuntos que nos envolvem emocionalmente, como para nós é o caso das HQs e dos demais universos relacionados (tomando partido em prol de um puritanismo ilusório ou de um "pecaminoso" adultério com a essência de nossos personagens queridos). Por isso temos de levar em consideração que 1) Quando tratamos de uma história (a exemplo das HQs), estamos tratando de narração, isto é, toda história é narrada, e por ser narrada, possui um narrador, alguém que conta tal história. Por ser uma pessoa, está sujeita (direta ou indiretamente) a interferir no processo narrativo ao induzir o personagem a agir a favor ou contra algo que ele (como pessoa) considera alvo digno de tal ação. Seguindo uma linha psicológica/filosófica das teorias da narração, defendo que a mítica do personagem ou de um universo está sempre sofrendo transformações na medida em que é narrado em épocas diferentes por pessoas diferentes em culturas diferentes; para piorar, tudo sofre maiores transformações quando interpretado pelo "publico", desse modo gerando uma grande problema quando tentamos dizer a "verdade" ou aquilo que constitui a "essência" de um personagem (por isso podemos afirmar existir tantos batmen, capitães américas, spidermen e etc., quanto roteiristas que narraram suas histórias, quanto fãs que os interpretaram)... 2) Em segundo lugar, sempre ressalto que, apesar de amarmos o universo das HQs, não podemos negligenciar o fato de as mesmas serem parte de uma indústria que, queiramos ou não, tem interesses financeiros imediatos vinculados a sua produção, isso justifica os mega-eventos semestrais com revelações "surpreendentes" (para o publico geral); o relançamento de histórias, grafic novels e coleções antigas (para o público saudosista - com preços mais "apimentados" que a média, visto se tratar de adultos dotados - teoricamente - de renda própria); a transformação ou renovação dos velhos heróis para o público adolescente contemporâneo (adaptando e modificando, muitas vezes, aquilo que nós velhos chamamos de "essência" do herói) e inclusive na produção do "quadrinho" B, ou o velho underground, que também possui seu público consumidor... Essas duas esferas estão em constante relação em uma dialética pulsante, aceitar somente o aspecto industrial é tão negligente quanto aceitar somente o caráter "criativo", "inovador" e "transformador" de uma "boa" ideia. Assim, de minha parte, assumindo uma clara posição dialética, digo que o filme do Capitão América (mesmo não tendo visto) e todo universo Marvel atual reflete um pouco da cultura em que vivemos hoje, onde falar de um moralismo maniqueista está fora de questão (algo um tanto ingênuo inclusive), mas, igualmente, explora esse universo com fórmulas atrativas para manter o publico consumidor ativo, simples assim..."


Depois de algumas considerações nossas, minhas e de outros amigos, Artur postou as seguintes palavras:


"Com relação ao Batman do Nolan, é um filme divertido, mas as pessoas encontram mais polêmicas do que ele apresenta... a questão do personagem se encontrar, se reerguer e etc., mexe diretamente com a mítica do herói amplamente difundida; digo mítica pois, apenas em se tratando de HQs, se difundiu uma ideia universalista de herói que, de fato, não corresponde com aquilo encontrado nas paginas das HQs dos anos 30/40. A ideia do "escoteiro" foi amplamente difundida, fique claro, após a consolidação do famigerado "Comic Code Authority" (pós-Segunda Grande Guerra); antes disso, a indústria era regida pela venda, do vigilante assassino, ao bom moço vestido de patriota (é só pesquisar). Mas se existe algo comum nas HQs de heróis dos anos 30/40 é o fato de todos (sem exceção) serem movido por um princípio de justiça ideal (transcendental), comum, da mitologia à religião, presente na política e nos sistemas econômicos ao longo da grande história. Esse ideal transcendental não é novidade, o "Comic Code Authority" apenas pasteurizou aquilo "idealizado" enquanto conveniente ao USA naquele determinado período (vindo a se popularizar enquanto "essência" do herói no ocidente). Assim, todo esse discurso de romper com a tradição levando tons de cinzas e etc., corresponde a uma reação aquilo popularizado enquanto mítica devido a uma pasteurização estadunidense oriunda de um código de conduta instituído. Mas o princípio transcendental está lá, a ideia universalista de uma justiça maior encarnada na ação do herói... bom isso não é novidade... Batman acima da lei, Capitão América e seus valores "superiores", até mesmo Superman (que na sua primeira HQ invade a casa de um senador para obrigá-lo libertar um inocente de morrer na cadeira elétrica). O que Nolan mostra em seus filmes não é grande novidade e está longe de ser uma "revolução" de proporções homéricas, como alguns entusiastas tentam aclamar, como se as HQs nunca mais fossem ser as mesmas... de minha parte fico com a diversão que o filme me proporciona (em um âmbito emotivo), particularmente me divirto muito com todas as produções que temos hoje, mas atribuir todo esse valor é construir uma nova mítica."




Bom, como diria Jack, o Estripador, vamos por partes. Como historiador não posso me furtar ao tratamento do específico em qualquer análise, aos diferentes tempos e as múltiplas historicidades existentes no processo de consecução de uma obra artística, seja uma HQ, uma saga e até uma trama de criação de um personagem. Trato aqui da mídia, histórias em quadrinhos, mas tais premissas valem para as mais diversas mídias e produções culturais existentes. Artur demarca isso sabiamente em seu post, no meu entender, quando expressa que existem diferentes contextos nos quais os super heróis foram produzidos e que, procurar uma única "essência" no que tange a um personagem pode soar um mero saudosismo de fãs puristas. Esses fãs, por possuírem certa identidade com seus heróis favoritos, as vezes ficam cegos para esse fato. 


Por tais motivos, quando falamos de um Capitão América, de um Batman, de um Homem Aranha, de um Superman, precisamos pensar realmente em qual desses personagens estamos falando, em qual contexto. Seria o Homem Aranha do Stan Lee, do Steve Dickto, do John Romita ou do Todd MacFarlane? Seria o Batman do Bob Kane, do Neil Adans, do Dennis O'Neil ou do Frank Miller? Seria o Superman do John Byrne ou aquele dos dois jovens nerds que o criaram, aquele super que saltava de prédio em prédio e literalmente espancava políticos e mafiosos, quase que a expressão da ideologia do operariado, nos dizeres de Grant Morrison? Quem sabe seria o Super interpretado pelo aclamado Christopher Reeves? Ah, existe também o super do outro Reeves, mais antigo. Escolhamos um deles não é mesmo? E o Capitão América, seria o patriota bandeiroso criado pelo Jack Rei Kirby e pelo Joe Simon ou seria aquele escoteiro encontrado pelos Vingadores nos anos 60, em uma trama escrita pelo Lee? Ah, também existe aquele Capitão do macartismo, que perseguia comunistas pelas ruas dos EUA. 


Bom, não há como negar que essas pesguntas são pertinentes, assim como seria pertinente perguntarmos antes de respondermos qualquer coisa sobre o personagem histórico, Júlio César: "de qual César estamos falando, o personagem de Suetônio, de Plutarco ou aquele César descrito por ele mesmo em suas duas obras publicadas?" Uma pergunta bastante estranha se considerarmos que trata-se de um personagem histórico, ou seja, alguém que, diferentemente do Superman ou do capitão América, existiu de verdade. Mesmo assim, a julgar por tantas interpretações existentes sobre essa figura histórica, trata-se de uma questão que pode ser feita, ao contrário do que imaginamos.


Além de tudo isso, devemos ressaltar a forma como o público trata os super heróis, tal como colocado pelo Artur em suas linhas, visto que a recepção do público interfere naquilo que é ou naquilo que vai se tornar o super herói com o tempo (melhor dizendo, aquilo que se tornou em seus mais de cinquenta anos de história). 


Existe uma área de estudos somente sobre a recepção por parte do público no que concerne aos mais diversos artefatos culturais e científicos, ou seja, um área ampla de estudos sobre como o público interpreta uma dada obra ou artefato cultural em dado contexto, os significados concebidos pelo público no ato de leitura e apropriação da obra. A ideia em voga pelos especialistas é que o público não é passivo nesse processo, ou seja, o público não apenas degusta as obras dos produtores da cultura, mas também gera interpretações que igualmente influenciam os ditos autores. Assim, o público do contexto do macartismo, embebido pela paranoia anti comunista poderia ter influenciados os autores (que também eram pessoas influenciadas pela cultura da época) a resumirem as histórias do Capitão América ao maniqueísmo da Guerra Fria, assim como o público do Homem Aranha do contexto dos anos 70 poderia ter influenciado a famosa história do personagem que tratou do consumo de drogas e seus efeitos nefastos sobre os jovens, visto que era um assunto na pauta daquele contexto. Isso sem falar nos tipos de público existentes, na faixa etária e até na posição social dos leitores. Luke Cage, por exemplo foi um herói negro voltado para um público específico dos anos 70, a saber, os negros das periferias dos EUA que lutavam por direitos civis. Tal contexto afetou seus autores e suas histórias, bem como a forma como o herói deveria agir e os valores expressos por ele. em suas tramas.


A segunda consideração diz respeito ao fato da existência de uma indústria cultural de quadrinhos bastante atuante nas produções. As ponderações de Artur se mostram novamente pertinentes, visto que os lucros condicionam os artistas e suas respectivas produções culturais. Isso faz parte do metier corporativo e quem conhece a excelente obra de Sean Howe sobre a história da empresa, Marvel Comics, sabe que as decisões corporativas em nome da busca por lucros rápidos condicionaram muitas histórias e até personagens, legando para o público características específicas desses personagens. Mega eventos, crossovers e até as famosas novelas gráficas entraram na pauta das grandes editoras no final dos anos 70 e decorrer dos 80, tanto que o roteirista inglês, Alan Moore, chegou a dizer certa vez que as grandes editoras descobriram o segredo de elevar as vendas ao máximo. Bastava colocar na capa de qualquer historieta de baixo calão o selo Graphic Novel, como se tratasse de uma trama especial voltada para um público especial, mais adulto e crítico. 


Quando o Artur reitera que aceitar somente o aspecto da indústria é tão negligente quanto aceitar somente o aspecto artístico criativo dos autores, ele está simplesmente expressando o que deveria ser óbvio para todos nós, mas que muitas vezes não é por questões de pura paixonite ou ignorância: a arte criativa dos artistas e quadrinistas e a indústria cultural andaram e ainda andam lado a lado no processo de criação dos super heróis mais famosos de todos os tempos, em meio a embates entre criação e pasteurização, sendo ao mesmo tempo partes de produções conjuntas, imbrincadas, de tal forma que existe espaços para a criatividade em alguns momentos, enquanto que em outros, essa mesma criatividade é podada pelos interesses corporativos. 


A dialética apregoada pelo Artur está assim em duas esferas distintas e ao mesmo tempo entrelaçadas. Em primeiro lugar, na relação do artista com a indústria cultural e, em segundo, na relação intrínseca entre o contexto presente de produção do artefato cultura e a tradição que envolve os super heróis, na encruzilhada entre inovação e necessidade de certas permanências que envolvem o gênero (como os uniformes colants multicoloridos que são retirados de cena em alguns momentos específicos).


Aqui gostaria de tecer então uma breve análise. Falar na essência de qualquer coisa, incluindo os super heróis de quadrinhos, para um historiador, é completamente estranho a sua profissão, visto que historiadores preferem as especificidades frente as permanências (falar em essência da guerra não explica o acontecimento II Guerra Mundial para a maior parte dos historiadores). Ao mesmo tempo, não consigo deixar de tratar daquilo que defino como o caráter icônico dos super heróis, algo que talvez não esteja na origem do gênero, mas que foi se definindo com o tempo. 


Isso porque existe alguns padrões que estão presentes em diferentes contextos (assim como acontecia com os mitos existentes no Mundo Antigo, por exemplo), como a luta do indivíduo contra o crime, algum tipo de vilania na qual o super herói precisa enfrentar, algum tipo de mal interior ou exterior que ameaça os chamados inocentes (o que seria isso no mundo real eu nem imagino, talvez as crianças), poderes ou habilidades extraordinárias (e o termo super herói é duplo, não somente os poderes e as habilidades, mas também a retidão moral), algum tipo de plano de dominação e destruição por parte do antagonista do herói e por aí vai. 


Também está presente no gênero a discussão moral típica das narrativas míticas, envolvendo não somente a trajetória do herói, segundo o modelo construído por Joseph Campbel, mas igualmente o ensinamento moral para seus leitores, uma espécie de educação moral que não era incomum, por exemplo, entre os gregos antigos quando seus aedos ou rapsodos cantavam e recitavam seus mitos, o que se constituiu na chamada paideia da polis. 


Podemos falar realmente de muitos Capitães Américas, mas o uniforme, a ação, a luta contra algum vilão declarado e estereotipado, seja sutilmente ou não, será a tônica das tramas do personagem e mesmo quando mudanças ocorrerem, muito pouca coisa tiraria, pelo menos de boa parte do público, a ideia de que deve torcer pelo protagonista da história. 


Algum tipo de ideal de justiça, liberdade estará presente nas tramas, algum grau de responsabilidade e comedimento (ainda que a linha seja muitas vezes elástica e seja esticada ao máximo por algum artista menos ortodoxo). Além disso, ainda que possamos em algum momento de nossas vidas discutir tais conceitos, seja de liberdade, justiça e responsabilidade, ainda que possamos afirmar que eles mudam com o tempo, de acordo com cada autor, público e até com a orientação da indústria, tais ideais não serão completamente banidas do gênero super heróis. Nada de novidade até aqui.


Afirmar que os super heróis são parte de uma narrativa mítica com tonalidades contemporâneas (de meados do século XX em diante) e ao mesmo tempo como parte de um ideário bastante específico, vinculado em grande parte a ideologia dos EUA do período do entre guerras e principalmente, do decorrer da II Guerra é necessariamente demarcar a dialética apregoada pelo Artur. Isso porque, enquanto parte de uma narrativa mítica, os super heróis trazem questionamentos de cunho moral que dizem respeito a todos nós, seres humanos (e isso nos mais variados contextos, o que expressaria questões morais de cunho universal), alguns bem feitos outros não, alguns um pouco mais profundos, a maioria, bastante rasos e carentes de complexificação. 


Porém, enquanto parte de um ideário estadunidense que aos poucos viajou o mundo (interessante demarcar o livro, Superdeuses, de Grant Morrison, que explica esse processo de difusão do gênero pelo mundo afora logo após a II Guerra Mundial), os super heróis com o tempo se tornaram uma das múltiplas expressões desse ideário, do sonho americano por justiça e até possibilidade de ascensão social com a demarcação da livre iniciativa individual, da luta por direitos e por mais liberdade de expressão até a busca pela ordem social, política, institucional, ora como agentes do poder estatal (na época da Guerra, por exemplo), mas muitas vezes atuando acima ou em paralelo a esse poder, como indivíduos livres e apaixonados pelo que fazem, que se sacrificam por seu ideal individual, ainda que muitos deles estejam comumente cheios de traumas ou levados por acontecimentos marcantes de sua trajetória pessoal. 


Quando o Artur afirma que o super herói escoteiro não era um padrão dos anos 30/40 ele está correto, visto que os heróis não surgiram como idealistas comedidos, mas como vigilantes detetivescos duros, brutais, quase que policialescos ao extremo. Com o tempo, o caráter icônico escoteiro de alguns deles passou a ser uma referência do comedimento necessário ao herói, pelo menos em boa parte de suas trajetórias. 


Muito disso teria a ver mesmo com o Comic Code Autority, que definia um padrão de conduta, um maniqueísmo raso ao extremo e externado pela indústria como forma de garantir a manutenção das publicações e vendas. Mas como historiador eu tenho de reiterar o contexto mais amplo da Guerra Fria e o maniqueísmo inerente de um mundo bipolar, fora o aspecto do pensamento histórico de longa duração, segundo os preceitos do historiador Fernand Braudel. 


Longa duração no que tange ao pensamento que se afirma por oposição, na linha do terceiro excluído, no qual o sujeito possui uma escolha entre duas possibilidades, o certo ou o errado, o bem ou o mal, a verdade ou a mentira. Não precisa ler a Bíblia nem qualquer obra, científica ou mais tradicional para evidenciarmos que o pensamento que opõe coisas por pares faz parte da história ocidental, seja isso positivo ou não (e olha novamente o binômio do isso ou aquilo). O tal código de conduta da indústria cultural dos quadrinhos de super heróis não explicaria, portanto todo o maniqueísmo do escoteiro contra o vilão maligno por natureza, o que é reiterado por Artur quando afirma que "se existe algo comum nas HQs de heróis dos anos 30/40 é o fato de todos (sem exceção) serem movido por um princípio de justiça ideal (transcendental), comum, da mitologia à religião, presente na política e nos sistemas econômicos ao longo da grande história. Esse ideal transcendental não é novidade, o "Comic Code Authority" apenas pasteurizou aquilo "idealizado" enquanto conveniente ao USA naquele determinado período (vindo a se popularizar enquanto "essência" do herói no ocidente). Assim, todo esse discurso de romper com a tradição levando tons de cinzas e etc., corresponde a uma reação a aquilo popularizado enquanto mítica devido a uma pasteurização estadunidense oriunda de um código de conduta instituído. Mas o princípio transcendental está lá, a ideia universalista de uma justiça maior encarnada na ação do herói... bom isso não é novidade..."


Dessa forma, existe algum padrão popularizado, pasteurizado, uma linha de conduta que faz dos muitos Capitães Américas um super herói e isso vai além do uniforme, dos poderes e/ou habilidades. É como pensar no Aquiles, dos gregos, em como ele, mesmo não fazendo parte do nosso padrão de herói, era um exemplo de herói mítico para os gregos, segundo os padrões gregos, ainda que o Aquiles cantado em Atenas não fosse idêntico ao cantado em Esparta. 


Ainda assim havia um ethos na conduta do Aquiles que deveria ser comum a todos os cantos sobre ele e esse ethos não estava vinculado somente aos seus poderes de semideus, sua famosa invencibilidade (que possui duas causas, a mais famosa, o banho no Rio Estige a outra, menos famosa, a armadura confeccionada por Hefestos), mas também a sua conduta. Como herói, Aquiles deveria ir a guerra, deveria confrontar seus destino, mesmo sabendo dos sacrifícios que teria de enfrentar (no caso dele a morte na Guerra de Tróia), teria que usar seus poderes na batalha e duelar contra outros heróis e/ou criaturas míticas (e não vilões, pois isso não era do metier dos heróis do mundo antigo) com honra, bravura e impetuosidade. Saber o destino e enfrentá-lo era o caráter icônico de todos os heróis gregos, assim como lutar por justiça e para defender inocentes seria o caráter icônico dos super heróis ficcionais de nosso mundo atual.


Quais são os significados de tudo isso que foi afirmado aqui? O principal, é que a ambivalência entre mudança e continuidade é a tônica dos super heróis e de tantos outros gêneros artísticos, entre realidade e ficção, entre tons de cinza e tons de preto no branco, ora pendendo mais para um lado, ora mais para outro. Seria esse caráter icônico afirmado a dita "essência" do super herói? Se considerarmos que trata-se de um gênero específico, que o Batman, por exemplo jamais vai poder ser representado assassinando gatinhos e criancinhas inocentes, que ele terá poderes ou habilidades especiais (ainda que perca isso em alguma trama por um certo período), que ele pode morrer, ser aleijado, cair em dúvidas sobre si mesmo, mas jamais se tornar o seu oposto (e isso acontece, claro, mas o herói deixa de ser tratado como tal), então terei que dizer que existe alguma essência sim e como historiador isso me incomoda, pois uma visão essencialista de identificação pode bitolar qualquer análise sobre contextos, não importando o tema proposto. Por isso me nego a ser muito conclusivo aqui, esperando o debate que se segue a esse nem um pouco breve texto. Sim, esse assunto, de novo...


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